Sergio Cruz Lima

Prolegômenos da República

Por Sergio Cruz Lima
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A campanha abolicionista coincidiu com os primeiros sintomas do declínio do Império do Brasil. Começou-se a entender que as instituições monárquicas tinham preenchido seu papel histórico: preservar e transmitir às gerações futuras a unidade da raça e do País. A fé monárquica se não fora muito viva, esgotara-se. "Vejo a Monarquia em perigo e quase doomed. A princesa Isabel tornou-se popular, mas as classes dela fogem e a lavoura está republicana", escreveu Joaquim Nabuco.

O baixo estro dos estadistas pelo futuro reinado da princesa Isabel - a mulher brasileira sempre foi a dona de casa, a hausfrau dos alemães, que sabia receber e cativar hóspedes, acolher galanteios e contradizer opiniões, intervir mesmo em discussão política, mas jamais a mulher que atiça homens contra homens, que traz e leva intrigas políticas, que aproxima e afasta parlamentares, cabala votos, lança candidatos, sugere atitudes, inspira atos, enfim, governa a nação -, provinha também da antipatia como a sociedade olhava para a presença do conde d´Eu, considerado intruso indesejável - o Francês. Ou como, num tom pejorativo, o chamou Silveira Martins - Capitão Marroquino.

Teria Dom Pedro II, já idoso, consciência da pouca solidez que revelavam os alicerces da Monarquia, sobretudo para o governo da filha, num possível Terceiro Reinado? Não sei responder. Mas é vero que se aguardava com apreensões a vinda do Terceiro Reinado. Dizia-se até depender da vida do imperador a sorte futura da Monarquia. E Dom Pedro II, cada vez mais doente, se afastava do trono. Tentava igualar-se ao cidadão comum. Em Petrópolis, levava vida de legítimo gentilhomme campagnard, colhendo flores no jardim do palácio, passeando na cidade, lendo jornais ou comentando livros. Joaquim Nabuco dirá que a moléstia que minava a saúde imperial tornava-o cada vez mais tímido, "quase envergonhado de reinar na América à moda da Europa, querendo parecer uma espécie de arconte-rei". Quando a doença do imperador se agravou, chegou-se mesmo a cogitar o afastamento da princesa Isabel da sucessão para substituí-la por seu sobrinho, o príncipe Pedro Augusto, filho da princesa Leopoldina e do duque de Saxe.

Uma década após o fim da Guerra do Paraguai, o espírito de indisciplina despontou no Exército. Em 1884, quando o efetivo da tropa era de 13,5 mil homens e os generais da velha guarda já haviam morrido - Osório, Caxias, Mena Barreto, Polidoro, Andrade Neves -, 7,5 mil soldados foram presos, deles 50 oficiais. O que agora havia era um grupo de oficiais jovens e ambiciosos, militares por ofício, paisanos pela ambição de classe, que se entregavam mais aos debates acadêmicos do que à estratégia e à balística. Havia uma pobreza de chefes. E Dom Pedro II, que estimava o militar na guerra, mas que não lhe tinha amor na paz, permitiu a prática da política de desprestígio das classes armadas. Crises militares ocorreram e a incompatibilidade entre os militares e o poder civil se agravava cada vez mais. Deodoro, por natureza, não era indisciplinado, mas tinha cabeça quente - ein turbulenter Kopf, como dizia o ministro da Áustria. E a indisciplina militar chegou a tal ponto que Deodoro convocou uma reunião pública no Rio de Janeiro. Na presença de 200 militares, declarou-se aberto o conflito entre as classes armadas e o governo do Império. Deodoro foi demitido do cargo de quartel-mestre general. A situação amenizou-se. Mas, nas sombras, a conspiração caminhava. Deodoro não era republicano. Tanto que em carta ao sobrinho Clodoaldo da Fonseca, em 1888, escreveu: "República no Brasil é coisa impossível porque será uma verdadeira desgraça. Os brasileiros estão e estarão muito mal educados para republicanos".

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